Legítimo Interesse: O Equilíbrio Delicado entre Dados Pessoais e Interesses Comerciais
No universo da proteção de dados, poucas bases legais geram tantas dúvidas quanto o legítimo interesse. Diferente do consentimento, que é explícito e direto, o legítimo interesse opera numa zona de equilíbrio entre as necessidades organizacionais e os direitos fundamentais dos titulares.
O legítimo interesse é uma base legal que permite o tratamento de dados pessoais quando existe um interesse genuíno, específico e justificável, desde que não prevaleçam os direitos e liberdades fundamentais do titular dos dados.
Esta base legal possui três elementos essenciais:
Finalidade legítima: O interesse deve ser real, atual e alinhado com a atividade do controlador
Necessidade: O tratamento deve ser indispensável para atingir a finalidade pretendida
Balanceamento: Os interesses do controlador não podem se sobrepor aos direitos dos titulares
“O legítimo interesse não é um cheque em branco para o tratamento de dados. É uma responsabilidade que exige justificativa concreta e avaliação contínua.”
O legítimo interesse pode ser aplicado em diversos contextos, mas alguns cenários são particularmente adequados, com nos abaixo selecionados:
Prevenção de Fraudes: Instituições financeiras frequentemente utilizam o legítimo interesse para monitorar transações suspeitas. Um banco pode analisar padrões de comportamento de compra para identificar atividades fraudulentas sem necessariamente obter consentimento prévio para cada análise.
Marketing Direto: Empresas podem utilizar dados de clientes existentes para comunicações de marketing relacionadas a produtos similares aos já adquiridos. Por exemplo, uma livraria online pode recomendar livros do mesmo autor para clientes que já realizaram compras anteriores.
Segurança de Rede e Informação: Organizações podem monitorar o tráfego de rede e implementar medidas de segurança para proteger seus sistemas contra ameaças cibernéticas, utilizando o legítimo interesse como base legal.
Para utilizar o legítimo interesse como base legal do tratamento dos dados, é necessário realizar uma avaliação estruturada conhecida como LIA (Legitimate Interest Assessment). Esta avaliação deve contemplar: (i) Teste de Propósito; (ii) Teste de Necessidade e (iii) Teste de Balanceamento.
Segue um modelo simplificado de LIA (Avaliação de Legítimo Interesse) que sua organização pode utilizar sempre que necessitar tratar dados com base no legítimo interesse:
SEÇÃO 1 | |||||
IDENTIFICAÇÃO DO TRATAMENTO | Descrição
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Finalidade do tratamento
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Categorias de dados pessoais
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Origem dos dados
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Período de retenção
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SEÇÃO 2 | |||||
TESTE DE PROPÓSITO | Qual é o interesse legítimo?
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O interesse é claramente articulado?
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O interesse é legal e ético?
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O tratamento atende a finalidade?
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SEÇÃO 3 | |||||
TESTE DE NECESSIDADE | |||||
Existem alternativas menos invasivas?
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A quantidade de dados é proporcional?
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SEÇÃO 4 | |||||
TESTE DE BALANCEAMENTO | |||||
Qual o impacto sobre os titulares?
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Os titulares esperariam este tratamento?
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Quais salvaguardas foram implementadas?
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SEÇÃO 5 | |||||
MONITORAMENTO | |||||
Resultado da avaliação
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Justificativa
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Medidas adicionais recomendadas
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Data da próxima revisão
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Aprovação/Reprovação | |
Um dos erros mais comuns no tratamento de dados por legítimo interesse é a falta de documentação adequada. O legítimo interesse exige não apenas a realização da avaliação, mas também seu registro detalhado e atualização periódica.
Muitas organizações falham ao não considerar adequadamente os potenciais impactos negativos sobre os titulares, focando apenas nos benefícios para o negócio.
Mesmo quando o consentimento não é necessário, a transparência continua sendo fundamental. Os titulares devem ser informados sobre o tratamento baseado em legítimo interesse e sobre seu direito de oposição.
O legítimo interesse continuará sendo uma base legal importante, especialmente em um mundo cada vez mais orientado por dados. No entanto, sua aplicação exigirá cada vez mais rigor e transparência.
As organizações que conseguirem equilibrar seus interesses comerciais legítimos com o respeito aos direitos dos titulares não apenas estarão em conformidade com a lei, mas também construirão relações de confiança duradouras com seus clientes e parceiros.
A chave para o sucesso está em uma abordagem centrada no ser humano: tratar os dados pessoais não apenas como ativos comerciais, mas como extensões das pessoas a quem pertencem, merecedoras de proteção e respeito.