Reflexões sobre a LGPD – O dinamismo dos dados pessoais como desafio à proteção

No contexto da proteção aos dados pessoais vivemos o momento pós-autorregulação do mercado, com o advento da LGPD, Lei 13.709/18 e no âmbito internacional Europeu, da General Data Protection Regulation – GDPR n. 679/2016.

Com o advento da internet comercial as plataformas de serviços identificaram um novo formato de relacionamento jurídico com os usuários, os serviços em troca de dados pessoais que receberiam futuros tratamentos.

Por um lapso de tempo a sociedade entendeu como razoável receber serviços cada vez mais personalizados em troca de revelar dados pessoais vinculados a seus gostos, desejos, interesses, planos e necessidades, o que foi muito relevante para o desenvolvimento da tecnologia da informação, big data, internet das coisas dentre outros setores de inovação tecnológica voltados à interação e serviços à sociedade.

Avançamos no tempo da ampla liberdade pautada no modelo de troca que se favorecia de uma certa euforia em razão do acesso “fácil” a uma gama de novos serviços e plataformas de interação social digitais, para o entendimento de que a continuidade sustentável depende do reequilíbrio sensato entre o que se entrega em termos de dados e o uso que os receptores farão dos mesmos.

A internet e seu ambiente de hiper virtualidade e ampla escalabilidade, trouxe como efeito colateral a redução do domínio dos titulares sobre os próprios dados o que gerou de per se um novo efeito da materialização do verdadeiro valor dos dados pessoais, compreendido não somente como informações que nos identificam, mas como extensões do ser e é este ativo da pessoalidade que hoje se pretende proteger por meio da nova lei, que entrará em vigor em agosto de 2020.

Aliado a este resultado, de uma maior consciência acerca do significado dos dados pessoais veio a reflexão sobre atos autônomos em contratos de massa, de adesão, em especial em ambiente digital, o que resultou em verdadeira e profunda transformação no âmago do exercício da vontade.

Por vezes os usuários apenas apõem a aceitação em acordos pré-escritos, com modelos padronizados e voltados à estrutura de um negócio, sem avaliarem as cláusulas que regulam a relação jurídica, no intuito único e veloz de pertencimento à uma rede, à fruição de serviços e outros ganhos intrínsecos a estes novos parâmetros de relacionamento.

Percebe-se uma relação orgânica e retroalimentada no setor de tratamento de dados, motivadora e motivada pelo desenvolvimento e aprimoramento da legislação que ora pauta e ora é pautada para o fim de se fundir no modelo atual de cobertura protetiva aos dados pessoais, que se distancia do antigo no que tange a condição de ser provocada ininterruptamente por uma plataforma com possibilidades e características únicas de conexão em rede e em massa.

Tudo o que se entendia antes do advento da internet por proteção de dados pessoais pouco serve para este momento, salvo o seu principal aspecto, o titular. Este segue concentrando em si, como reflexo de sua própria existência, o apego aos dados que o constituem, sem esquecer da mutabilidade desses elementos. Em outras palavras, o titular deseja proteção aos dados que o definem hoje, conforme suas vontades atuais, como forma de manter sua identidade dinâmica.

Assim, a “causa” tão mais simples de se perceber em contratos tradicionais, no ambiente digital de escala fica diluída em um mar de intenções, subintenções, possibilidades, obrigações, interesses e vantagens que, muitas vezes, sequer são exercitadas no seu mais amplo potencial, nem pelo ofertante, tampouco pelo usuário.

Esta reflexão tem também a intenção de enaltecer a relevância de princípios clássicos basilares como o da boa-­fé e percepção de que as relações jurídicas, em determinados setores de consumo e produção, como o da tecnologia da informação e comunicação, assumem novos contornos que naturalmente clamam por condições que não imponham obstáculos intransponíveis ao consenso.

Conceito de trecho da obra: Tributação para Provedores de Internet: SCM, SVA e outros serviços digitais. Autora: Andrea Rebechi de Abreu Fattori

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